Radiação Cósmica de Fundo
A sondagem do Universo pode ser feita com sucesso através da detecção de radiação eletromagnética, visto que vários objetos celestes emite luz (a luz faz parte do espectro eletromagnético - veja figura abaixo).
Figura 1 – Espectro eletromagnético
Disponível em https://minhasupernova.files.wordpress.com/2015/06/espectro-eletromagnc3a9tico.jpg
Uma forma de radiação, no entanto, não provém dos objetos celestes, que é a radiação cósmica de fundo em microondas (RCFM) ou cosmic microwave background, em inglês (cuja sigla é CMB), que de acordo com a teoria do Big Bang, é uma radiação térmica criada no período da recombinação, acerca de 378.000 anos após a explosão, portanto o seu entendimento pode nos oferecer preciosas informações sobre o Universo primordial, particularmente sobre a quantidada da matéria escura presenta naquela época.
Em 1929, Edwin P. Hubble publicou um artigo(1) demonstrando que o universo não era estático, mas sim dinâmico, ou seja, ele demonstrou que as galáxias estavam se afastando, possibilitando concluir que o universo estava em expansão.
Em 1946, George Gamow publicou um artigo(2) sobre a expansão do universo. Ele propôs que sua origem apenas poderia ocorrer se a temperatura e a densidade no instante inicial fossem muito elevadas; seus cálculos mostravam que a relação entre o hélio e o hidrogênio produzidos a partir da “sopa primordial” (uma espécie de gás de nêutrons) dependia da temperatura inicial do universo. Mas, ao considerar os efeitos da teoria da relatividade geral elaborada por Einstein, a temperatura da radiação inicial deve diminuir à medida que o universo se expande.
Gamow propôs “voltar para trás o filme da expansão do universo”, prevendo que o universo possuía um início. A proposta era que toda a matéria que conhecemos estava concentrada em uma região extremamente densa e quente, e que por algum motivo ainda desconhecido, a matéria foi liberada no que ficou conhecido com Big Bang (a grande explosão). Na mesma época, o físico Fred Hoyle levantou a hipótese de que se o Big Bang tivesse ocorrido haveria uma “relíquia” da explosão.
Em 1949, Ralph Alpher e Robert Herman, ambos da Universidade Johns Hopkins, publicam um artigo(3) onde faziam uma previsão de que existiria, em todas as partes do Universo, uma radiação cósmica de fundo que havia sido deixada como resíduo após a formação do Universo e que deveria permeá-lo completamente. O desafio enfrentado pela teoria proposta por Gamow, Alpher e Herman era poder prever qual a temperatura que o universo deveria possuir em seus instantes inicias. A previsão deveria concordar com as observações astronômicas disponíveis na época de que as estrelas eram formadas por 25% de hélio.
Segundo a previsão de Gamow e seus colaboradores, essa radiação primordial deveria ter seu comprimento de onda modificado pela expansão do universo (redshift cosmológico), isto é, seu comprimento de onda estaria aumentando conforme o universo se expande. Consequentemente, a frequência dessa radiação primordial diminui e, atualmente, encontra-se na região do espectro eletromagnético referente a microondas, possibilitando sua detecção por radiotelescópios. Apesar dos esforços dos astrônomos da época, nenhum sinal da radiação cósmica de fundo em microondas foi detectado.
No início dos anos de 1960, Arno Penzias e Robert Wilson trabalhavam nos laboratórios Bell e estavam envolvidos no projeto e construção de uma antena que tinha como finalidade estudar ondas de rádio vindas do espaço. Ao verificar os dados obtidos pela antena, eles observaram um excesso de sinal de fundo que vinha de todas as partes do cosmos. Após analisar eventuais problemas com a antena e com o detector e eliminar qualquer contaminação vinda de fontes terrestres, eles concluíram que o sinal era real e provavelmente era de origem cósmica.
Enquanto isso, na Universidade de Princeton, Robert Dicke, Jim Peebles e Dave Wilkinson estavam planejando medir a radiação cósmica de fundo. Em 1965, Penzias, ao encontrar um artigo escrito por Dicke, suspeitou que o excesso de sinal captado pela antena dos laboratórios Bell poderia ser a radiação cósmica de fundo. Após Penzias e Wilson entrarem em contato com os físicos de Princeton, dizendo que haviam detectado uma interferência em sua antena que parecia vir de todo lugar do espaço, uma reunião entre as equipes determinou que o ruído da antena era devido efetivamente à radiação cósmica de fundo.
Como resultado da reunião, os grupos decidiram publicar seus resultados separadamente em dois artigos. No Astrophysical Journal, Penzias e Wilson publicaram um artigo onde descreviam a medida experimental do excesso de sinal de sua antena e os físicos de Princeton publicaram outro artigo com a interpretação dos resultados experimentais em termos da sua teoria. Em 1978, Penzias e Wilson receberam prêmio Nobel de física pela descoberta da radiação cósmica de fundo.
Figura 2 - Registro original da descoberta.
Crédito da figura: https://www.cfa.harvard.edu/~rwilson/PeeblesBook_mypart.pdf
Evolução da detecção da radiação cósmica de fundo
Na década de 1960, a maioria dos modelos que procuravam explicar o Universo, o descrevia como sendo homogêneo e isotrópico. O mapeamento do céu realizado
por Penzias e Wilson através da radiação cósmica de fundo confirmou essa idéia, visto que essa radiação possuía uma distribuição uniforme no céu.
Figura 2 – Distribuição homogênea das galáxias. Em uma escala adequada, as galáxias se apresentam distribuídas de maneira uniforme pelo céu.
Crédito da Figura: http://www.gizmag.com/universe-homogeneous-300-million-light-years/24149/
Nos anos seguintes E. R. Harrison, P. J. E. Peebles e J. T. Yu e Y. B. Zeldovich propuseram, em artigos independentes, que o universo primordial deveria apresentar heterogeneidades e elas poderiam ser detectadas como anisotropias da radiação cósmica de fundo(*). No entanto, diversos experimentos na época foram realizados sem sucesso.
Um dos problemas levantados para evitar a detecção destas heterogeneidades era a absorção atmosférica. Para que as observações da radiação cósmica de fundo fossem mais precisas, era necessária a utilização de satélites, mas foi apenas em 1992 que a anisotropia foi detectada pela primeira vez pelo ''Differential Microwave Radiometer'' (radiômetro de microondas diferencial), do satélite Cosmic Background Explorer (COBE), ou Explorador do Fundo Cósmico em tradução livre.
A teoria das anisotropias da radiação cósmica de fundo previa que as flutuações deveriam ser mais sutis. O avanço da tecnologia dos satélites e radiotelescópios proporcionou essa detecção, primeiro pelo COBE, em 1991, e com a sonda Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP), em 2003, que mediu com precisão essas anisotropias através de todo o céu.
FIGURA 3– Mapas das flutuações de temperatura, desde as medidas de Penzias e Wilson, passando pelo COBE até o WMAP. As manchas azuis (mais frias), verdes e vermelhas (mais quentes) correspondem às flutuações de temperatura no Universo jovem.
Crédito da figura: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/62/BigBangNoise.jpg
A imagem da sonda WMAP mostra que Penzias e Wilson, assim como os demais cientistas, estavam enganados quanto ao fato de acreditarem que a radiação cósmica de fundo era uniforme em todas as direções. Contudo, esse engano pode ser explicado pelo nível tecnológico dos sensores utilizados pelos equipamentos disponíveis em cada época. As pequenas flutuações de temperatura foram detectadas primeiro pela sonda espacial COBE e depois observadas em maiores detalhes por WMAP e mais recentemente pelo observatório espacial Planck, da Agência Espacial Européia (ESA, na sigla em inglês), que melhorou significantemente as observações do WMAP.
Vídeo 1 - Radiação cósmica de fundo.
Uma análise da imagem da radiação cósmica de fundo obtida pela sonda WMAP nos revela regiões de diferentes densidades, demonstrando que regiões mais densas formaram agrupamentos de galáxias. Já as regiões de baixa densidade crescem e tornam-se o espaço entre as galáxias. Nessas imperfeições, existe uma grande quantidade de nuvens de átomos de Hidrogênio. Essas nuvens se aproximam uma das outras e se unem graças à atração gravitacional. Com o passar do tempo, mais e mais átomos de hidrogênio são adicionados à nuvem, proporcionando o nascimento de estruturas celestes como as estrelas. Estas, por sua vez, formam-se quando a alta temperatura dessas nuvens faz com que os átomos de Hidrogênio sofram fusão nuclear, emitindo luz e formando núcleos de Hélio.
Figura 4 – Dados da Radiação cósmica de fundo através das observações do Wmap.
Crédito da figura: http://scienceblogs.com/startswithabang/files/2010/07/WMAP_poster2002a.jpg
O sucesso da radiação cósmica de fundo em microondas
O modelo padrão cosmológico prevê que o espectro da radiação cósmica de fundo pode ser entendido como um conjunto de medidas de sua intensidade ao longo da evolução do universo. Desse modo, o espectro dessa radiação deve apresentar picos de temperatura mais altos nos instantes iniciais do universo e sua temperatura deve decair enquanto o universo se expande e consequentemente esfria (ver figura 5).
Esse comportamento não é algo novo para os físicos. Na verdade, é algo bem conhecido como o espectro de corpo negro(**), cuja forma bem definida depende somente da temperatura do corpo emissor.
Figura 5 – Espectro da radiação do corpo negro.
Crédito da Figura – Disponível em:http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/imgmod/bkg3.gif
A figura 6 exibe os dados de COBE para a intensidade da radiação cósmica de fundo em função do seu comprimento de onda. É notável a sua concordância com o espectro do corpo negro, para a temperatura de 2,736 K.
FIGURA 6 – Espectro da radiação cósmica de fundo medido pelo satélite COBE. O pico encontra-se próximo da frequência de 6 ciclos por segundo e possui a forma de um corpo negro à temperatura de 2,736 K.
Crédito da figura, disponível em: http://i.stack.imgur.com/0EzUi.png
A temperatura do fundo de radiação, T0 = 2,726 ± 0,001 K, segue detalhadamente a lei de Planck prevista para um corpo negro, dada por
indicando, portanto uma origem térmica.
A notável concordância que a radiação cósmica de fundo apresenta com a radiação de corpo negro é que o Universo todo se encontrava a uma mesma temperatura durante os primeiros instantes de sua história. O espaço foi todo preenchido rapidamente com gás quente de partículas, tudo à mesma temperatura, mas que se expandiu e resfriou rapidamente.
A descoberta da forma de corpo negro da radiação de fundo e a descoberta da sua anisotropia propiciaram a John C. Mather e George F. Smoot o prêmio Nobel de física de 2006.
Em resumo, podemos dizer que em algum momento da evolução do Universo a matéria e a radiação estavam em equilíbrio termodinâmico, confirmando as ideias de Gamow, e posteriormente a radiação se desacoplou da matéria preservando o espectro de corpo negro que observamos hoje como uma “relíquia” da era da radiação.